25.7.06

Lucio Colletti. Ciência e liberdade.


Lucio Colletti. Scienza e libertà.
Roma, Ideazione, 2004.
Pino Bongiorno e Aldo G. Ricci.

Lucio Colletti (1924-2001), um dos filósofos mais importantes da Itália e um dos poucos a serem reconhecidos internacionalmente (à parte um certo provincianismo inglês, apenas ele e Benedetto Croce figuram, por exemplo, no Oxford companion to philosophy, de Ted Honderich, de 1995), acaba de receber uma homenagem, três anos após sua morte, com a publicação do livro Lucio Colletti. Scienza e libertà, de Pino Bongiorno e Aldo G. Ricci (Roma, Ideazione, 2004). Não se trata, como poderia sugerir o título, de um trabalho biográfico, mas da reconstituição do itinerário de um dos principais protagonistas da cena político-intelectual italiana na segunda metade do século XX.

Colletti encantou-se pelo marxismo entre os anos 40/50 do século XX, na esteira de Galvano Della Volpe, crítico do idealismo hegeliano e das concepções historicistas que marcavam o comunismo italiano, aos quais a vertente dellavolpiana tentou contrapor uma visão do marxismo como ciência. Profundo conhecedor de Hegel e de Marx, ele radicalizaria essa análise, chegando à conclusão, nos início dos anos 70, de que este era, no fundo, um epígono do primeiro. De fato, assumindo o método dialético, Marx e o marxismo distanciavam-se das ciências -- absolutamente incompatíveis com a dialética --, por pressuporem que a realidade é autocontraditória. O real, como já ensinara Kant, comporta apenas conflitos, lutas, choques, isto é, «oposições reais»; contradições, jamais.

Admitindo a existência de contradições na realidade, o marxismo fazia-se portador de uma filosofia da história, introduzindo no processo histórico uma finalidade, uma meta. A dialética hegeliana, que em vão Marx tentara «inverter» em termos materialistas, fatalmente implicava uma visão finalística: o comunismo, a sociedade sem classes e sem Estado eram o corolário da história. Os comunistas (europeus, latino-americanos), enfim, se distinguiam de todos os outros pelo fato de se julgarem a «consciência da história», conhecendo-lhe as «leis de movimento», seu «sentido» e sua «racionalidade» interna, além de saber o «fim» que estava destinada a alcançar. Nesse quadro, fatos e valores eram uma só coisa (na verdade, algo já percebido bem antes por Hans Kelsen, cujo mérito Colletti reconhece).

O pensador italiano não hesitaria em levar tais conclusões às últimas conseqüências, principalmente a partir da entrevista a Perry Anderson, publicada na revista inglesa New Left Review (e reproduzida no livro Intervista político-filosofica, de 1974, juntamente com um ensaio sobre «Marxismo e dialética»). Rompendo com o marxismo, aproximar-se-ia cada vez mais de uma perspectiva liberal, laica, desencantada, ciente de que a ação humana, tanto quanto o conhecimento, comporta limites. Quanto à visão da história, não trairia sua memória se a aproximássemos da metáfora utilizada por outro filósofo italiano, Norberto Bobbio (falecido em janeiro de 2004), que a compara a um labirinto. Acreditamos saber que existe uma saída, diz Bobbio em sua autobiografia (Diário de um século, Rio de Janeiro, Campus, 1998), mas ninguém sabe onde está, e, não havendo alguém do lado de fora que nos possa indicá-la, devemos procurá-la nós mesmos. Eis a conclusão: «o que o labirinto nos ensina não é onde está a saída, mas quais os caminhos que não levam a lugar algum».

Desfecho niilista? Não. Apenas o ceticismo que faz bem às mentes livres, infensas às ideologias e aos dogmatismos. O «sentido da vida» consiste em não desistir de perseguir nossos valores e nossos fins (morais, políticos etc.), mesmo sabendo-se que não possuem qualquer garantia, nenhuma segurança ontológica: tudo depende apenas de nosso empenho e de nossas capacidades. Com o mesmo rigor com que analisou a «conexão Marx-Hegel», procurando nela destrinçar elementos científicos, Colletti desmontaria, ponto por ponto, toda a construção que erigira, revelando ter sido uma tentativa vã, «uma grande ilusão». (A propósito, tomo a liberdade de indicar meu livro O declínio do marxismo e a herança hegeliana [Florianópolis, Editora da UFSC, 1999], traduzido na Itália pela Mondadori em 2001 com o título Perché il marxismo ha fallito. Lucio Colletti e la storia di uma grande illusione).

Bongiorno e Ricci acertam em dizer que «ciência e liberdade inspiraram por vinte e cinco anos o marxismo de Colletti», e que «ciência e liberdade o afundaram». O marxismo collettiano, «obstinado e dramático», residiu neste laço entre ciência e liberdade. Percebendo que o núcleo de sua teoria era a negação deste enlaçamento, não hesitou em expô-la como neve ao sol, assumindo progressivamente uma concepção da existência e da política mesclada a um desencantamento weberiano e a um ceticismo humeano: «um confiar na ciência sem as ilusões do cientismo, um liberalismo não fideísta». Não lhe faltaram críticas, ataques e sarcasmos, ainda mais pela paradoxal decisão que tomaria posteriormente.

Convencido de que a Itália necessitava de reformas institucionais para fortalecer o executivo e a social-democracia e livrar-se da partitocrazia alimentada por comunistas e democratas-cristãos (com a máfia ao fundo), Colletti se aproximaria do PSI nos anos 80 -- colaborando intensamente na imprensa -- e, mais tarde, da Força Itália de Berlusconi, partido pelo qual seria eleito deputado em 1996, junto a outros professores filósofos e historiadores, como Vittorio Mathieu, Marcello Pera e Piero Melograni, todos movidos pelo interesse por uma «reforma liberal» do Estado italiano. Inconformista e incômodo, Colletti não tardaria, porém, a dissentir do partido e de Berlusconi, com o qual suas relações acabariam sendo «péssimas» (segundo carta a mim enviada poucos meses antes de falecer). Mestre do desencantamento e da ironia, envolto num crescente pessimismo, o pensador seria obrigado a admitir, uma vez mais, que as idéias liberais ainda estavam distantes do «pastiche italiano».

Copyright © 2005 Orlando Tambosi

Orlando Tambosi. «Recensão a Pino Bongiorno e Aldo G. Ricci, Lucio Colletti. Scienza e libertà». Dialegesthai. Rivista telematica di filosofia [in linea], anno 7 (2005) [inserito il 7 luglio 2005], disponibile su World Wide Web: , [9 KB], ISSN 1128-5478.

14.7.06

Seleção natural em tempo real


Pássaros exibem seleção natural em tempo real

Rosemary Grant/Divulgação
O Geospiza fortis ficou com o bico reduzido após disputa por comida

Cientistas flagram mudança evolutiva de grande rapidez em aves de Galápagos.Espécie que rendeu estudo pode ter inspirado idéias fundamentais de Darwin; trabalho ilustra conceito clássico da biologia.

RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL (Folha de S. Paulo, 14/07/06).

Um casal de biólogos norte-americanos conseguiu observar pela primeira vez um fenômeno da seleção natural entre espécies de pássaros do início ao fim. Peter e Rosemary Grant, da Universidade de Princeton, verificaram a redução do tamanho médio de bicos em uma população de tentilhões-da-terra-médios (Geospiza fortis) no arquipélago de Galápagos, no Oceano Pacífico. As aves são as mesmas estudadas pelo naturalista Charles Darwin no século 19.

O fenômeno observado pelos pesquisadores é chamado de deslocamento de caráter (ou "character displacement", já que biólogos não costumam traduzi-lo). É o nome dado àquilo que acontece quando uma espécie adquire características diferentes em razão da competição com outra.

Os Grant, que trabalham em Galápagos desde a década de 1970, descrevem como uma população de G. fortis na pequena ilha de Daphne Maior se viu ameaçada por invasores de outra espécie. Os "imigrantes" eram tentilhões-da-terra-grandes (G. magnirostris), que haviam chegado em 1982 de uma ilha vizinha.

A descrição do que aconteceu está na edição de hoje da revista "Science" (http://www.sciencemag.org/). Durante muitos anos as duas populações conviveram sem problemas porque a oferta de sua comida preferida -grandes sementes de árvore do gênero Tribulus- era abundante. Mas, em um período de seca em 2003, os pássaros quase esgotaram o estoque do recurso. A fome acabou então dizimando centenas de G. fortis, porque os G. manirostris eram mais hábeis em achar e quebrar as raras sementes grandes.

Após o fim da seca, o que aconteceu é que a porcentagem de G. fortis com bico pequeno aumentou consideravelmente. No período de estresse, os pássaros precisavam de um bico bom para quebrar sementes pequenas, já que não tinham condições de competir pelas grandes. E a característica acabou permanecendo.O deslocamento de caráter já havia sido postulado teoricamente e observado em laboratório, mas é a primeira vez que foi relatado na natureza. "Esse estudo vai se tornar um clássico para os manuais instantaneamente", disse o biólogo Jonathan Losos, da Universidade Harvard, em comentário na "Science".

Segundo a ornitóloga Elizabeth Höfling, da USP, o estudo é uma confirmação importante de mecanismos que estão por trás do processo de origem das espécies. "Os dados que os pesquisadores têm -medidas de tamanho de bico e tudo o mais- suportam o papel da competição nos modelos de especiação e das irradiações adaptativas [distribuição de espécies entre diferentes nichos ecológicos]", diz.

Sorte e competência.

A descoberta de Peter e Rosemary Grant parece um caso típico de trabalho científico em que a sorte favorece quem está preparado. Os pesquisadores não esperavam observar o fenômeno desses em um período tão rápido e nem teriam como se preparar para tal em pouco tempo, mas os dados que haviam acumulado em décadas de pesquisas os ajudaram a interpretar o que aconteceu. "Tivemos a sorte de estar numa posição favorável, em que poderíamos estudar todo o processo do inicio ao fim", disse Peter.

O que pareceu fascinar mais outros biólogos, porém, é a grande velocidade com que o fenômeno do deslocamento de caráter ocorreu. "Eu acreditava que fosse demorar muito mais", comentou na "Science" o biólogo David Pfening, da Universidade da Carolina do Norte. A redução média de 5% no tamanho de bico, considerada drástica pelos biólogos, ocorreu no intervalo de cerca de um ano, praticamente de uma geração para a outra.

Os tentilhões, afinal de contas, parecem merecer a fama que ganharam na biologia. Por muito tempo historiadores acreditaram que essas aves teriam inspirado Darwin na criação da teoria da evolução, mas seus escritos não deixam isso claro. No caso dos Grant, porém, a inspiração é indiscutível.

5.7.06

O desafio de gerar, aplicar e divulgar o conhecimento científico.


A ciência e a tecnologia hoje estão tão imbricadas que já se tornou comum aplicar-lhes a sigla C&T. Essa recente associação, contudo, tende a ofuscar algumas diferenças fundamentais. A ciência, como pesquisa básica e processo racional de conhecimento, produz idéias, hipóteses e teorias, enquanto a tecnologia produz objetos e bens utilizáveis. A tecnologia possui história própria e é muito mais antiga que a ciência, originalidade do gênio grego. É tão antiga quanto a própria humanidade: da agricultura primitiva ao domínio dos metais, da engenharia chinesa às catedrais do Renascimento, seus êxitos não dependeram de ciência. Pode-se mesmo dizer que esta não teve algum impacto sobre a tecnologia até o século XIX.

As grandes catedrais, com suas enormes cúpulas e altas naves, não foram construídas com base em elaborados princípios científicos, mas por engenheiros que se valiam da experiência prática, isto é, dedicavam-se a fins práticos e não ao conhecimento. Empregava-se então uma espécie de "teorema dos cinco minutos": se uma estrutura permanecia de pé por cinco minutos depois de retirados os suportes, podia-se supor que assim permanecesse para sempre 1 . Em poucas palavras, a tecnologia é voltada para as necessidades e demandas do mercado, ao passo que a ciência busca, antes de tudo, o conhecimento como um bem em si mesmo.

O recente matrimônio entre ciência e tecnologia pode ser ilustrado com a história da comunicação radiofônica. As ondas eletromagnéticas não foram descobertas por experimentação, mas a partir das equações elaboradas pelo físico escocês Maxwell (1831-79). Em 1887, Hertz (1857-94) demonstraria a propagação de tais ondas, sem atentar, contudo, para a sua importância para as comunicações. Coube ao italiano Marconi (1874-1937) lançar as bases para seu aproveitamento industrial e comercial. Desde o final do século XIX, portanto, C&T andam de mãos dadas - com as bênçãos da indústria, que na mesma época fundaria as primeiras empresas baseadas em conhecimento científico (nas áreas de química e eletricidade).

Hoje, nada de realmente novo existe que não seja resultado da pesquisa científica. A ciência e a tecnologia revolucionam permanentemente todos os setores: social, econômico, político, militar, industrial, além de cultural e intelectual. Mas é necessário reconhecer que, apesar de todos os avanços, o modo científico de pensar ainda está longe de ser universal. A tecnologia já conquistou os corações, mas a ciência ainda não alcançou as mentes: proliferam as pseudociências, a superstição, as crendices e o charlatanismo, que mantêm grande parte da humanidade com os pés na caverna. E nem se fale na anticiência dos letrados, pretensos humanistas, cuja visão de futuro é a nostalgia de um passado idealizado.

O fato é que a cultura científica, de que o homem necessita para compreender o mundo em que vive e nele sobreviver, não se consolidou nem mesmo nos países economicamente mais avançados. Segundo a Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAS), em seu ambicioso Project 2061, são pressupostos dessa cultura: familiarizar-se com o mundo natural, reconhecendo sua diversidade e sua unidade; entender os conceitos fundamentais e os princípios científicos; perceber a inter-relação entre a matemática, as ciências e a tecnologia; levar em conta que a ciência e a tecnologia são empreendimentos humanos e, como tais, sujeitas a erros e limitações; e, finalmente, adquirir a capacidade de pensar de acordo com as exigências do rigor científico. Peculiaridades regionais à parte, no mesmo sentido caminha o Projeto 2006, recentemente lançado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Ocorre que, diante de tais exigências, apenas 7% dos adultos britânicos ou norte-americanos podem considerar-se medianamente cultos em ciência. Menos de metade da população norte-americana sabe, por exemplo, que a Terra gira em torno do Sol uma vez por ano - isto num país que já conquistou mais de uma centena de prêmios Nobel. Claro está que um dos grandes desafios - para todos os países - é a divulgação e a compreensão pública da ciência, algo que diz respeito, em primeiro lugar, aos próprios cientistas, mas passa, também, por um incentivo ao jornalismo científico. A atividade de divulgação é tão importante quanto a produção científica e tecnológica, e não é exagerado igualar seu status para o cômputo do desempenho acadêmico do pesquisador 2. Sabe-se que a tarefa é complexa e gigantesca, implicando até mesmo uma profunda reformulação dos currículos escolares desde o ciclo básico, mas é imprescindível - o labirinto da história nos ensina, afinal, que os povos podem regredir a estados pré-científicos 3.

Os artigos publicados na revista Nexus (edição de dezembro), abrangendo amplas áreas de conhecimento (da Engenharia de Materiais à Engenharia Elétrica e Engenharia de Controle e Automação, da Tecnologia de Alimentos à Farmácia e à Química, da Administração ao Direito e às Relações Internacionais), apontam para a necessidade de uma maior integração entre universidade e empresas no enfrentamento dos desafios da indústria brasileira e na geração de novas oportunidades, tanto em C&T quanto em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).

Nesse aspecto, ainda há um longo caminho a percorrer, envolvendo três agentes: o Estado, ao qual cabe gerar e aplicar políticas públicas de ciência e tecnologia, além de financiá-las; a Universidade, à qual cabe formar pessoal qualificado e criar ciência básica; e a Indústria, que deve investir na criação de tecnologia, além de realizar pesquisa aplicada, incorporar pessoal qualificado e, desse modo, ganhar competitividade.

O problema é que o setor privado tem investido pouco no desenvolvimento científico e tecnológico, em parte devido à instabilidade econômica nacional e à contínua mudança de regras. Especialistas de todo o país são unânimes em afirmar que há pouca pesquisa no ambiente empresarial. Os dados são reveladores: no Brasil, dos cerca de 90 mil cientistas e engenheiros ativos em P&D, apenas 9 mil trabalham diretamente em empresas, no desenvolvimento de produtos ou serviços, enquanto na Coréia do Sul - exemplo sempre citado entre os países de industrialização recente -, a participação chega a 75 mil.

O resultado é que a Coréia registra 1.500 patentes por ano, e o Brasil, só 56. Nos Estados Unidos, dos 960 mil cientistas e engenheiros que trabalham em P&D, 760 mil estão nas empresas (aproximadamente 80%). Já nos países que participam da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o dispêndio empresarial atinge 2/3 do investimento nacional e vem crescendo significativamente (chega a 11% ao ano na Finlândia, que ocupa o primeiro lugar no Índice de Avanço Tecnológico da ONU).

Mas é justo reconhecer que boa parte da iniciativa privada já demonstra consciência de que a inovação tecnológica é cada vez mais decisiva para que as empresas ganhem ou mantenham competitividade diante da globalização dos mercados. A propósito, uma pesquisa realizada pelo MCT e pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI) junto a mil empresas, em 1997, revelou que 38% delas pretendiam investir, nos cinco anos subseqüentes, entre 2 e 5% de seu faturamento líquido em P&D, e 28% procurariam superar os 5%.

Muitas empresas - privadas, públicas ou mistas - investiram na formação de cientistas e geraram tecnologia própria. Cite-se o caso da Embraer, exemplo típico de boa parceria entre universidade e indústria, com resultados excepcionais: hoje é uma das maiores fabricantes de aviões a jato do mundo e líder nas exportações brasileiras de produtos tecnológicos, com faturamento anual próximo dos US$ 2 bilhões. Vale lembrar, também, a Petrobras, que desenvolveu uma avançada tecnologia de perfuração e prospecção de petróleo em plataformas submarinas, e a Embrapa, que, com seus 2 mil cientistas, tornou a agricultura nacional um empreendimento produtivo, com pesquisas na área de biotecnologia, técnicas de melhoramento genético e no cultivo de soja. Graças a esse trabalho, a soja e seus derivados rendem US$ 3 bilhões por ano em exportações 4.

O dado inquestionável, porém, é que a pesquisa científica continua sendo desenvolvida maciçamente nas universidades e nos institutos públicos. O sistema de ensino superior é de qualidade, embora atinja só 12% dos jovens entre 18 e 24 anos. Mas o pior problema está na base e é um dos fatores que pesaram na má classificação do Brasil no Índice de Avanço Tecnológico da ONU. O mais novo índice criado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) relaciona 72 países em termos de criação e difusão de tecnologias e capacidade humana para participar nas inovações tecnológicas. Pelo baixo nível educacional dos trabalhadores, que freqüentam, em média, pouco mais de 5 anos de escola - quando a média, nos países melhor colocados, é de 12 anos -, restou ao Brasil o 43º lugar na lista (perde, na América Latina e Caribe, para Argentina, México, Chile, Trinidad e Tobago e Panamá).

Apesar de tudo, o país conta com excelentes cursos de pós-graduação, muitos de nível internacional, formando cerca de 5 mil doutores por ano. É fundamental que as empresas passem a incorporar essa massa crítica em atividades de P&D. Pois, se promover o desenvolvimento científico é um dever do Estado, incumbindo à universidade a geração e difusão de conhecimento científico, investir no desenvolvimento tecnológico é tarefa da empresa. Como resumem os pesquisadores e cientistas, falta aqui o principal parceiro.

Notas

1) Cf. os belos estudos de George Basalla (The evolution of technology, Cambridge, Cambridge University Press, 8a. ed., 1999) e de Lewis Wolpert (The unnatural nature of science, Londres, Faber & Faber, 1992).
2) A sugestão é de Carlos Vogt, diretor-executivo do Instituto Uniemp-Fórum Permanente das Relações Universidade-Empresa, de São Paulo, em "Os desafios da divulgação científica" (Newsletter, nº 21, julho/2001, Labjor-Unicamp.
3) Ver, a propósito, o livro de Lucio Russo, La rivoluzione dimenticata. Il pensiero scientifico greco e la scienza moderna, Milão, Feltrinelli, 6ª. ed., 1999.
4) Para esses dados, cf. os seguintes artigos de Carlos H. Brito Cruz, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp): "A verdadeira riqueza das nações" (Gazeta Mercantil, 16/08/2001); "Falta o ator mais importante" (Correio Braziliense, 15/04/2001) e "Boa ciência no Brasil" (Folha de S. Paulo, 22/02/2000).

Orlando Tambosi

Publicado originalmente na Revista Nexus (Florianópolis), outubro 2001, e Jornal da Ciência, da SBPC, em 21/01/2002.

Astrologia na universidade?

O jornal Valor Econômico, de SP, publicou na edição de 13/04/06, no Caderno Eu&Fim de Semana, matéria sobre a polêmica gerada pela Universidade de Brasília e pela Unesp, duas instituições públicas que têm oferecido cursos de astrologia em nível de extensão. O tema já foi abordado - e devidamente criticado - aqui e no blog de Cláudio Weber Abramo (A coisa aqui tá preta), por entendermos que universidade não é lugar para pseudociências - e a astrologia é uma delas.Ora, além de manter o dogma de que a Terra é o centro do Sistema Solar, essa falsa ciência pressupõe que forças e energias vindas dos planetas administram a vida após o nascimento (e por que não antes?). Leia na íntegra a reportagem, que reproduz argumentos científicos e epistemológicos contra a astrologia (inclusive algumas observações deste escrevinhador).

Sob o signo da polêmica

Universidade de Brasília e Unesp oferecem cursos de astrologia, para espanto da comunidade acadêmica.

Por Paulo Henrique de Sousa
De São Paulo

Alguém duvida de que a campanha presidencial vai ser acirrada, mesmo com o favoritismo de Lula? E de que o Brasil precisa coordenar de forma racional os recursos de que dispõe para superar as dificuldades? Seria preciso recorrer aos astros para chegar a essas conclusões? A resposta a essa última pergunta tende a ser negativa, já que poucos analistas discordariam das duas primeiras, da lavra de uma astróloga - baseadas na suposta influência dos astros em nossas vidas. Segundo os críticos, essa é uma típica "previsão" da astrologia: puro "non-sense", tolice.

Mas, mesmo com as restrições da grande maioria da comunidade acadêmica, que a considera uma "pseudociência", a astrologia tem conseguido furar o bloqueio. Algumas instituições de renome, como a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), têm oferecido cursos de astrologia, em nível de extensão. O professor Ricardo Lindemann, do Núcleo de Estudos de Fenômenos Paranormais (NEFP), da UnB, reclama que há muito "preconceito" porque as pessoas não sabem o que é a astrologia. Ao aplicar algumas "regras da astrologia", os pesquisadores do NEFP teriam conseguido identificar, com 100% de acerto, um grupo de alunos que fariam vestibular em poucos dias de um outro grupo que não faria as provas, com base em seus mapas astrais, que teriam acusado um momento de "definição profissional".

Adepto do anarquismo metodológico de Paul Feyerabend, o professor Paulo Araújo Duarte, do departamento de geociências da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), considera a astrologia um "campo do conhecimento humano" como qualquer outro. Para ele, o conhecimento popular pode ser uma "alavanca para o conhecimento científico e jamais deve ser desconsiderado. O que eu não gosto é da arrogância e do preconceito de cientistas com relação ao que não é rotulado como ciência".

Mas a reação não tardou. Em sua página pessoal na internet, o diretor executivo da ONG Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, pediu o fechamento da UnB. Formado e pós-graduado em matemática, ele não faz rodeios: "Isso é picaretagem".

O filósofo Orlando Tambosi, da UFSC, concorda. "Ensinar pseudociências numa universidade contraria os mais caros princípios de uma instituição universitária. Desde sua origem, as universidades se dedicam à geração e difusão de conhecimento nas ciências, na filosofia, nas engenharias e nas artes", afirma. "É tão absurdo quanto ensinar o criacionismo nas escolas", dispara o astrônomo da Universidade de São Paulo, Augusto Damineli. Segundo ele, a astrologia está mais para religião do que para ciência. "Astrologia não é ciência, nem arte, nem outra atividade com corpo de conhecimento objetivo estabelecido."

As restrições dos cientistas são muitas, a começar pela configuração celeste que os astrólogos usam. Durante o ano, o Sol percorre um determinado caminho no céu, chamado de eclíptica, tendo as constelações como pano de fundo - elas formam o zodíaco. Uma pessoa será de Sagitário, por exemplo, se o Sol estava percorrendo aquela constelação quando do seu nascimento.

Ocorre que os astrônomos descobriram que o Sol passa não por 12, mas por 13 constelações em um ano - das 88 existentes. Na Antigüidade já se conhecia Ofiúco, mas ela ficava longe da eclíptica. No período de quase 3.000 anos, o movimento de precessão do eixo de rotação da Terra (tipo um peão cambaleando), acabou fazendo com que o Sol passasse rapidamente por Ofiúco. Essa constelação fica entre Escorpião e Sagitário - de 30 de novembro a 17 de dezembro. "Sim, é isso mesmo, muitos de nós somos do signo de Ofiúco e, felizmente, isso não tem a menor importância", provoca o físico Paulo Bedaque. Paulo Duarte lembra que a divisão do zodíaco em 12 signos é puramente arbitrária e segue apenas a tradição dos povos antigos.

Outro questionamento-chave dos astrônomos é que a influência da força gravitacional dos corpos celestes sobre nós é desprezível - com exceção dos efeitos óbvios da luz do Sol como fonte de energia. Nessa seara, uma das crenças mais comuns é o da suposta influência da mudança da Lua nos nascimentos de bebês. O raciocínio parece ser o seguinte: se a Lua é capaz de interferir nos movimentos dos oceanos, então seria natural que o mesmo acontecesse com corpos menores.

O astrônomo Fernando Lang da Silveira, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), considera esse um argumento aparentemente "persuasivo", mas totalmente falso. A Lua e o Sol realmente influenciam as marés porque o tamanho da Terra não é desprezível em relação às distâncias até a Lua e até o Sol: as marés ocorrem porque os oceanos são grandes o suficiente para sofrerem a ação da gravidade de forma diferente em diferentes pontos. Ou seja, o tamanho e a distância importam - e muito. Por isso, não há efeito de maré num pequeno lago ou mesmo no útero de uma gestante - já que todos os pontos desses ambientes estão praticamente à mesma distância do Sol e da Lua. "O obstetra que realiza o parto de uma criança exerce uma atração gravitacional sobre ela seis vezes maior do que o planeta Marte", exemplifica o astrônomo Kepler Oliveira Filho, da UFRGS. O filósofo Osvaldo Frota Pessoa Jr., da USP, resume que a astrologia não é ciência porque "contradiz as teses principais da ciência atual".

A polêmica suscita a inevitável e espinhosa discussão do que vem a ser ciência. Depois das batalhas entre as muitas correntes epistemológicas do século XX, a maioria dos especialistas neste começo de século concorda que não há uma definição acabada. Damineli explica, entretanto, que as várias ciências têm, cada uma delas, "um determinado corpo de fenômenos [naturais, sociais ou individuais], que podemos chamar de base empírica, têm um corpo de princípios, que podemos chamar de pressupostos teóricos que delimitam as condições de aplicabilidade e metodologia para ligar a base empírica ao campo teórico, para prever situações ainda não exploradas e para testar se são verdadeiras ou falsas". Pessoa Jr. complementa que a ciência envolve teses que precisam ser testadas empiricamente, cujos resultados são submetidos à apreciação de outros cientistas. "É este consenso que falta em relação à astrologia." Tal controle pelos pares funcionou recentemente no caso do sul-coreano Woo-suk Hwang, que teria feito a primeira clonagem de células-tronco embrionárias humanas, que não passou de uma fraude.

Engenheiro por formação, Lindemann e o ex-coordenador do NEFP, Paulo dos Reis Gomes, defendem o status de ciência para a astrologia. Segundo Lindemann, os estudos do NEFP seguem a metodologia científica da observação, hipóteses, experimentação e tese (generalização). E que os resultados, medidos de forma estatística, revelam que as posições dos astros interferem na vida das pessoas. Mas ele admite que essa interferência pode não ser creditada à gravidade, mas a uma outra força ainda "desconhecida pela ciência. Se não estudarmos, não descobriremos", justifica.

Considerando equivocada a decisão da UnB, o físico Jean Bricmont, da Universidade de Louvain, na Bélgica, propõe um desafio aos astrólogos: "Peça aos defensores da astrologia para fazerem uma porção razoável de previsões, num experimento controlado, cujo resultado seja melhor do que o acaso. Cientistas fazem isso o tempo todo. Se eles não passarem no teste, por que nós deveremos acreditar neles? E se não podemos acreditar neles, por que deveríamos ensinar o que dizem?" Bricmont ficou mundialmente conhecido ao escrever, com Alan Sokal, o livro "Imposturas Intelectuais", que solapou o discurso pós-moderno de alguns filósofos que abusavam de metáforas científicas sem cabimento.

O lógico Newton da Costa, ex-professor da USP e hoje na UFSC, até admite o estudo de astrologia em universidades, desde que tratada como "fenômeno social". Mas ele nega o status de ciência, já que os astrólogos alegam que o que fazem é verdade absoluta; já a ciência, ao contrário do senso comum, trata com outros conceitos de verdade, sempre submetida à checagem. "Enquanto a ciência pode ser reproduzida, cinco astrólogos podem fazer previsões diferentes sobre o mesmo tema."

Tambosi chama a atenção para um ponto negligenciado: o relativismo que grassa nas ciências humanas e sociais, na maioria das universidades brasileiras, acaba por abrir as portas para o esoterismo. "Se tudo é relativo, se tudo é reduzido a discurso ou texto, desaparece a questão da verdade. Todos os 'textos' estão em pé de igualdade. Assim, uma teoria científica tem o mesmo valor de um discurso do papa ou de uma carta astrológica." Tudo isso poderia parecer restrito às arengas acadêmicas e crenças pessoais, mas não é assim. Algumas empresas recorrem a meios como astrologia, grafologia e numerologia, na seleção e gestão de pessoal. O professor Thomas Wood Jr., da Fundação Getúlio Vargas (FGV), diz que as empresas procuram "placebos" para solucionar problemas reais ou imaginários, "soluções que trazem conforto emocional. A gestão é tão amadora que qualquer mapa serve, até um mapa astral".

(NOTA: Paulo Henrique de Sousa foi aluno - excelente - do Curso de Jornalismo da UFSC e hoje é repórter - também excelente - do jornal Valor Econômico).

3.7.06

Revolução, um anacronismo.

Reproduzo abaixo artigo do Prof. Héctor Ricardo Leis, publicado hoje no jornal O Estado de S. Paulo (03/07/2006), que aponta a permanência da idéia de revolução em setores da "esquerda" como um anacronismo. "O desafio da política no século 21", diz ele, "se dá exclusivamente dentro dos marcos da democracia representativa e do Estado de Direito."

Esquerda, por que esquecer a história?

Héctor Ricardo Leis

A presença da esquerda na história traz um problema de interpretação: são tantas e tão contraditórias as suas expressões que, como categoria, perde a coerência. Assim, o militante de esquerda contemporâneo tem de, constantemente, recorrer à teoria em busca das definições que o protejam do caos da história. Acontece que a esquerda deixou de ser um problema teórico há tempos e se constitui, como vivência, em questão de ordem prática-existencial para muitos de seus atores.

Enquanto as experiências predominantes da esquerda do século 19 foram basicamente reformistas e de resistência, no século 20 houve um ponto de inflexão: a marca deixada pelas revoluções iniciadas na Rússia pelos bolcheviques, em 1917. As bases políticas, sociais e culturais da esquerda foram alteradas em nome do movimento revolucionário, identificado com o marxismo-leninismo e suas variantes stalinistas, maoístas, castristas, etc. Novo significado foi dado à esquerda pelas idéias e práticas revolucionárias, abandonando o campo da democracia, que passou a ser entendida como claro instrumento do capitalismo.

Marx interpretava episódios históricos primeiro como tragédia e depois como comédia. Hoje o problema não são as revoluções concretas e objetivas, mas sua idéia ou desejo. Derrotadas as revoluções, esse desejo se mantém, transmutado e escondido no imaginário de atores da esquerda. A América Latina ilustra este ponto: temos quatro tipos de esquerda no poder. A esquerda revolucionária cubana, velha sobrevivente do século 20, e a esquerda democrática chilena, que avança com coragem no século 21, sem abandonar suas raízes humanistas do século 19. Entre esses dois extremos, duas esquerdas populistas em contexto democrático: uma mais marcada pela idéia de revolução, como a de Hugo Chávez, Evo Morales e Néstor Kirchner, e outra menos, como a de Tabaré Vázquez e Lula.

Voltando na história, para o congresso do Partido Social-Democrata russo em 1903, como registrou Isaiah Berlin em As Idéias Políticas no Século XX, notamos que emergiu, então, a posição que viria a se tornar emblemática para as forças de esquerda do século 20. Posadovsky, um delegado, perguntou se a ênfase colocada por Lenin na autoridade absoluta do Comitê Central não seria incompatível com as liberdades fundamentais, em cuja conquista o socialismo estaria empenhado. Plejanov, figura venerada do marxismo russo de então, deu a resposta e anunciou claramente o espírito de época, que assolaria o século 20: se a revolução o exigisse, tudo deveria ser sacrificado - democracia, liberdade, direitos do indivíduo, vistos, aliás, como princípios liberais burgueses.

O humanista Plejanov abandonaria posteriormente essa posição, mas o século e o centro geopolítico da revolução tinham mudado. A bandeira do despotismo transgressor, que estava fora do horizonte intelectual e político da esquerda européia ocidental do século 19, entrou para esse horizonte no século 20.Muitos anos após a implosão do bloco comunista soviético, a idéia de revolução ainda não foi jogada no lixo da história pela esquerda em seu conjunto. Continua presente no imaginário, justificando e orientando, de forma mais ou menos encoberta segundo os casos, a ação política dos atores. O Brasil não é o caso mais extremo, mas a idéia de revolução está presente no subconsciente de muitos. Ter sido revolucionário no passado, por exemplo, tem sido usado para desqualificar acusações, no presente, a muitos dos envolvidos no escândalo da corrupção no PT, como Dirceu, Genoino, Delúbio. A tolerância de numerosos órgãos do Estado com as violações às leis em vigor por parte de atores definidos como revolucionários, como é o caso do MST, é outro exemplo. Aliás, a impunidade aí estampada contribuiu como estímulo ao MLST na sua incursão criminosa, mas vendida como revolucionária, no Congresso. A questão revolucionária, portanto, foi retirada do debate, mas continua ativa como modalidade de ação política dentro da democracia.

A revolução representa um problema que não deriva tanto de seus triunfos ou fracassos na dimensão histórica, mas de suas surpreendentes vitórias no campo existencial. Hannah Arendt, no livro Sobre a Revolução, ajuda a entender a peripécia dos revolucionários. “O problema tem sido sempre o mesmo: aqueles que foram à escola da revolução aprenderam e souberam antecipadamente qual o rumo que uma revolução deve tomar. Foi o rumo dos acontecimentos. (...) Eles tinham adquirido a habilidade de representar qualquer papel que o grande drama da história lhes viesse a atribuir e, se mais nenhum papel estivesse à sua disposição, a não ser o de vilão, estavam mais do que desejosos de aceitá-lo, antes que permanecer fora da peça. (...) Há certo grandioso absurdo no espetáculo destes homens (...) submetendo-se, freqüentemente, de um dia para o outro, com humildade e sem um grito sequer, à chamada da necessidade histórica, por mais louco e incongruente que lhes deva ter parecido o aspecto exterior desta necessidade. Eles foram logrados não pelas palavras de Danton, de Robespierre e de Saint-Just e de todas as outras que lhes soavam aos ouvidos; foram logrados pela história e se tornaram os loucos da história.”

O desafio da política no século 21 se dá exclusivamente dentro dos marcos da democracia representativa e do Estado de Direito. Ambos os contextos podem ser retrabalhados à vontade, tal como conservadores, liberais e social-democratas vêm fazendo com diferenças ao longo da história. Mas as regras são essas e a anacrônica permanência residual da revolução só dificulta as coisas para a esquerda. O marxismo do século 20 derrapou para a aventura, comprometendo o futuro de muitos atores que se reconhecem nessa herança e que, assim, perderam todo um século.

Héctor Ricardo Leis, cientista político, é professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e membro do Instituto Millenium. Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 03/07/2006.